01 abril 2007

HISTORIAS DE GUERRA



“Bajuda para Furriel”

Recordo com alguma saudade a minha passagem por África.
Fui para África, mais propriamente para a Guiné-Bissau, no cumprimento do serviço militar, naquele tempo obrigatório.
A situação de guerra normalmente não deixa boas recordações mas no meio de tantos episódios vividos, uns bons outros menos bons, alguns teimam em não desaparecer da memória. De entre eles, recordo um que pelo inesperado da situação me deixou na altura um pouco atrapalhado.
Tomava o meu duche da tarde, nos chuveiros improvisados pela “tropa” e que consistiam nuns bidões de lata colocados aí a uns dois metros de altura, aos quais foram adaptados os chuveiros.
A vedação dos duches improvisados com pouco mais de um metro de altura era feita de ripas de troncos de palmeira, isto é, quando alguém tomava duche, via e era visto por toda a gente que se encontrasse nas imediações.
Tal como dizia, tomava o meu duche quando me apercebi que mesmo encostado à vedação no outro extremo do duche se encontrava um “Cipaio” (um policia civil do mato) acompanhado de uma moça ainda muito jovem quase criança e ambos pareciam esperar que terminasse o meu duche.
Fiquei com um pouco de pudor mas não querendo dar parte de fraco continuei o duche. Entretanto ia pensando o que quereria desta vez o Cipaio e o que faria ali a moça.
Este Cipaio pertencia a um grupo de amigos civis que a meio do mês me iam pedir dinheiro emprestado. Também por vezes vinha o pedido de açúcar, arroz ou simplesmente uma cervejinha.
Ainda não disse, mas eu era Vagomestre, tinha a meu cargo a gestão da alimentação de toda a “companhia”, portanto era-me relativamente fácil arranjar algum arroz e açúcar para dar aqueles amigos que me ajudavam junto da população civil a adquirir alguns alimentos para o "rancho".
Verdade seja dita que em relação aos empréstimos de dinheiro sempre me foram infalivelmente pagos no final de cada mês, repetindo-se o empréstimo a meio do mês seguinte.
Mas voltando ao Cipaio e à moça, terminado o duche limpei-me à pressa, vesti os calções e lá fui direito ao homem perguntar o que queria.
“Trago Bajuda para o furriel” foi a surpreendente resposta.
Trazes o quê pá?! Perguntei atrapalhado.
“Bajuda” para o furriel, repetiu convincente o Cipaio. (“Bajuda” queria dizer no seu dialecto “virgem” ou ” moça virgem”).
Eh pá mas eu não te pedi Bajuda! Exclamei eu, surpreendido com a resposta.
Pois não, mas furriel boa pessoa e eu resolvi trazer Bajuda, falei com pai dela e ele ofereceu-a para furriel.
Naquele momento vários pensamentos me passaram pela cabeça. Se por um lado me era impossível aceitar a moça, por outro, como recusar tão amável oferta, sem que os ofertantes ficassem ofendidos.
Lá fui dizendo que tinha esposa e filhos em Portugal, por isso não podia ter outra mulher.
Mas isso para ele não fazia qualquer diferença uma vez que ele próprio tinha quatro esposas.
De repente lembrei-me que dias antes quando me veio pedir dinheiro lhe ter dito a brincar como é que o dinheiro lhe havia de chegar se sustentava quatro mulheres tendo -me ele na altura respondido que tinha as quatro esposas porque “Deus” queria.
Então disse-lhe: -Agradeço muito a oferta a ti e ao pai dela, ela é muito bonita, gostava de ficar com ela, mas o meu Deus que é diferente do Teu, não permite que eu tenha mais que uma esposa por isso não posso ficar com ela.
Vendo que ele concordava, acrescentei: -Agora gostava de oferecer a ti e a ela qualquer coisa, diz lá o querem?
Ele respondeu que ela não queria nada mas que ele aceitava uma cerveja.
E lá foi tomar a sua cervejinha.
Com a ajuda de Deus e da “cervejinha” devolvi à procedência aquele tão belo quanto inesperado presente!
Termina aqui esta história de guerra.
Talvez um dia lhes conto a história do meu amigo “Pimenta” que além de bom cozinheiro era gago e andava sempre com um “grãozinho na asa”.
Um dia quase deixa destruir toda a cozinha porque engasgou quando pretendia gritar ao condutor da “Berliet” que parasse. Entretanto a Berliet de marcha-atrás ia passando a ferro todas as panelas e fogões que compunham a nossa cozinha, sem que o seu condutor percebesse o que se passava.
O Pimenta lá desengasgou e conseguiu dizer: -Venha … venha… venha… ver o que fez!!!
E o condutor veio e viu tudo esborrachado debaixo da Berliet. Para não falar no almoço que estava perdido no chão. E ficou furioso com o Pimenta. Mas o Pimenta engasgou novamente e ninguém percebia o que dizia.
Histórias de guerra, de vinho e de gaguez.
Histórias de vida!
Um dia ainda lhes conto aquela … do Nunes. Ah, o Nunes … Bom esta fica para a próxima.
Também fica para a próxima a do periquito. Ah, a propósito sabem como eram alcunhados os jovens militares que chegavam à Guiné? Periquitos!

E sabem porquê? Porque todos os periquitos da Guiné são verdes, tal como os militares que acabavam de chegar.
Um abraço. Em especial para todos os ex-combatentes!
Já depois de ter escrito esta história encontrei por acaso uma página que considero bastante completa, sobre a Guiné-Bissau, por isso deixo aqui o endereço aos possiveis interessados http://leoesnegros.com.sapo.pt/index.html

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