03 dezembro 2006

AS CHAROLAS



"Contribuição para o seu conhecimento"

No Algarve, sul de Portugal, chama-se "charola", a um grupo organizado, de pessoas que nos dias de "Ano Novo" e de "Reis", saem à rua para ir de casa em casa, tocando e cantando versos em louvor ao Deus Menino e "tirando vivas".

Tradicionalmente o grupo apresenta-se em tom de festa, com fitas coloridas na lapela, decorando os instrumentos musicais, estandartes e a "charola", com fitas idênticas.
Anunciando a sua presença com o lançamento de foguetes, aproxima-se em procissão, da casa ou local onde pretende entrar para cantar, com um ou dois estandartes e a "charola" na frente, tocam uma marcha ou paso-doble.

A designação de "Charola" advém  da pequena "caixa" onde simbolicamente transportam a imagem do "Deus Menino", que vão mostrando aos presentes ao mesmo tempo que pedem esmola.

No passado as pessoas costumavam beijar a imagem e o grupo cantava:
"Cumprimos o nosso destino 
Por todo o lado a cantar, 
Nós trazemos o Deus Menino, 
Para quem O quiser beijar!".

As Charolas têm raízes medievais na tradição de na época natalícia, cantar "loas" ao Deus Menino e no final da actuação atirar "chacotas" em honra dos anfitriões e a pedir esmola.

Assim, uma Charola é muito mais do que o seu simples reportório musical, qualificando-se como uma ancestral manifestação cultural que felizmente em Portugal, ainda perdura no sotavento algarvio, concelhos de Faro, S. Brás de Alportel, Olhão, Tavira, Castro Marim e Vila Real de Sto. António.

Salvo raras excepções as Charolas existem e são naturais dos pequenos lugares, sítios e aldeias, onde têm as suas raízes, desenvolvem a sua actividade e são recebidas com apreço, actuando entre o Ano Novo e os Reis, nos mais diversos locais, desde casas particulares, passando pelos cafés e outros locais públicos de convívio, até aos palcos dos teatros municipais.

Apresentam musicas e versos muito simples, ditos populares, sem grandes requisitos artísticos, sendo sobretudo pela celebração das datas evocadas que prendem a atenção de todos aqueles que ano após ano, assistem ás suas actuações.
A maior concentração de grupos surge no concelho de Faro, nas freguesias de Montenegro, Conceição, Estói e Sta. Barbara de Nexe.

Embora com a mesma designação, nem todos os Grupos têm a mesma composição a nível de instrumentos musicais, reportório e outros elementos característicos.

Elementos comuns em todos os grupos:
  •  “Estandartes”, um ou dois, com o nome da Charola e o do Clube ou associação a que pertencem.
  • "Caixa do Menino" (Charola), onde se transporta simbolicamente o "Menino Jesus" . A "caixa do Menino" mantém-se na frente do grupo até terminar o "canto velho". Quando começam as "vivas" o elemento do grupo que a transporta vai deambular por entre a assistência, a fim de mostrar o "Menino" e recolher os donativos.
  • "Apito", a pessoa do grupo que tem o apito normalmente o principiador (começador) dirige a actuação da charola utilizando-o para dar inicio e terminar todos os números e ainda para dar entrada ao elemento que vai dizer ou “tirar a viva”. Cada grupo terá o seu código de apitos mas na maioria é mais ou menos assim:
  1. Um apito para chamar a atenção do grupo que se vai iniciar o número e ao segundo apito inicia-se;
  2. Um apito também para durante a valsa das vivas, chamar a atenção do grupo e fazer uma pausa na musica para que seja feita (dita) a viva;
  3. Dois apitos seguidos para terminar o número.
Nos instrumentos musicais, o acordeão é um elemento comum em todas as Charolas, assim como as castanholas e os pandeiros, acrescentando depois conforme os grupos, outros tais como, os ferrinhos , o saxofone, o clarinete, o trompete, violas, banjos e nalguns casos, o violino.

No canto os grupos apresentam normalmente dois elementos, designados por “principiadores ou começadores”, um para o “canto velho” e outro para o “canto novo”, sendo o coro (os respondedores) feito pelos elementos da “pancadaria”  isto é, os tocadores de castanholas, pandeiros e ferrinhos.

No reportório existem também algumas diferenças sendo a maior para as Charolas de Sta Barbara de Nexe que não cantam ao “Menino” .

Nas outras o reportório é mais ou menos assim:
  1.  Entrada (marcha ou passo doble)
  2. Canto Velho (canto ao Deus Menino com estilo antigo no "Dia de Reis" os versos iniciais mudam ligeiramente) (*)
  3. Valsa (nas Charolas de Faro e S. Brás Alportel com “Vivas”(**)
  4. Canto Novo (***) (canto ao Deus Menino com estilo diferente do canto velho)
  5. Saída (marcha)
Notas: 
(*) Embora com o mesmo tema naturalmente que cada Charola terá os seus cantos velho e novo, assim como o restante reportório, diferentes das outras. 
No Canto Velho, os respondedores repetem o verso do principiador (começador).

(**) As vivas são feitas em verso, em forma de quadras ou cestilhas mais ou menos improvisadas para saudar, agradecer ou criticar e a pedir a esmola.
O elemento que vai tirar ou fazer a viva, faz sinal ao elemento do apito ao que ele lhe acena confirmando e de seguida apita, para informar o grupo e fazer pausa na música. A viva pode ser dita por qualquer pessoa mesmo que não faça parte da charola,

(***)  De inicio a charola tradicional apresentava o canto e terminava com as chacotas. 
Mais tarde foi adicionado um canto que passou a designar-se por "canto novo".
No Canto Novo, os respondedores cantam um estribilho normalmente evocativo da charola, da tradição, etc..

As Charolas de Bordeira e restante freguesia de Sta. Barbara de Nexe, apresentam um único canto designado por “estilo” que não louva nem faz referência ao “Deus Menino”.
Um, dois ou mais "começadores" cantam de improviso sobre um tema escolhido. O coro responde com um estribilho evocativo da tradição, da charola, etc..

Como tradição oral, as Charolas têm sofrido naturais transformações ao longo dos tempos sendo que actualmente se podem assinalar alguns costumes que em poucos anos se perderam como é o caso da quase inexistência dos desfiles para entrada e saída do local da actuação, do lançamento dos foguetes  e também da extensão da época de actuações que pode ir até ao final de Janeiro.
Também actualmente as tocatas são mais elaboradas, os grupos são mais numerosos actuando principalmente em Festivais e Encontros de Charolas, perante publico mais conhecedor e exigente.

No início do século vinte, após a implantação da Republica em Portugal, as charolas chegaram a ser ilegais por uma lei que proibia todas as manifestações religiosas fora das igrejas mas ao cabo de alguns anos essa lei foi revogada e a partir de 1918 surgem de novo, com as apresentações públicas.

Talvez devido a essa proibição, os grupos reaparecem com algumas alterações ao reportório original da charola:

  • Alguns não cantam em louvor ao “Deus Menino” (deixam de ser uma manifestação religiosa)
  • Outros embora apresentem a musica não atiram as “chacotas” (uma das razões da proibição)
  • A maioria substitui as satíricas chacotas por amigáveis “vivas”
  • Também a maioria acrescenta a seguir à valsa um canto novo com o mesmo tema (o nascimento de Jesus) mas com estilo diferente.
Num passado recente os “charoleiros” não eram bem vistos pelas gentes da cidade, sendo designados por alguns como um grupo de embriagados.

Na verdade, essas pessoas não compreendiam que o facto de os charoleiros andarem todo um dia de casa em casa onde sempre eram recebidos com a “mesa posta”  alguns excessos aconteciam mesmo que involuntários.

Nos dias de hoje, a situação é muito diferente,  aos poucos mudaram-se atitudes, formas de pensar  e agora os charoleiros, são compreendidos, respeitados e bem vindos até nos grandes teatros municipais.

A actuação das Charolas é um tanto ou quanto efémera porque actuam apenas no início do ano principalmente no dia 1 “Ano Novo” e no dia 6 “Reis” no entanto na maioria dos grupos a preparação e recolha do reportório, vai decorrendo ao longo do ano, juntando-se todo o grupo no inicio de Novembro para os ensaios gerais bissemanais até ao final do ano.

As actuações dos grupos têm tradicionalmente inicio logo após a passagem de ano, ainda na noite ou logo pela manhã, visitando casas particulares, locais públicos tais como cafés, restaurantes e Festivais de Charolas.

No primeiro dia do ano, realizam-se normalmente Festivais ou Encontros de Charolas, em Vila Nova de Cacela, Luz de Tavira, Marim, Estoi, Sta. Barbara de Nexe, Machados e S. Brás Alportel.

No dia de "Reis" realiza-se o Festival de Bordeira.

O Festival de Charolas de Faro, realiza-se normalmente no primeiro Domingo a seguir ao Ano Novo o que acontece também em Tavira.

A Conceição de Faro também realiza o seu Festival de Charolas, em data a designar (Sábado ou Domingo a seguir ao ano Novo).

Actualmente devido ás várias solicitações as actuações das charolas estendem-se até ao final do mês de Janeiro.

Os grupos são constituídos por cerca de vinte a trinta elementos, de ambos sexos mas maioritariamente por homens.

A época das actuações termina com um jantar de convívio que normalmente inclui também os familiares mais próximos, uma forma de compensá-los por todos os contratempos que os ensaios e actuações do grupo, sempre causam nomeadamente ao agregado familiar.

(Esta descrição é feita do ponto de vista de um ex-elemento da Charola da Casa do Povo de Conceição de Faro  certamente terá algumas inexactidões, assim por favor, se notar alguma e quiser contribuir, deixe a correcção em forma de comentário o que desde já agradeço)
Obrigado
JJRodrigues

4 comentários:

Anónimo disse...

Uma visão muito desturcida do verdadeiro esirito charoleiro!!!
charolas?Sim mas em Santa Bárbara de Nêxe e Bordeira o resto designa-se por meros grupos de cantares de janeiras.Ah e o Homem do apito designa-se por começador!!!E as "vivas" de improvisso...só para alguns!!!

Ass: Charoleiro

JOSE JOAQUIM RODRIGUES disse...

Bom dia amigo!
É inegável que a Freguesia de Santa Barbara de Nexe, tem um estilo diferente de cantar as Charolas que a mim particularmente me agrada ouvir. No entanto não é por isso que deixo de apreciar os outros grupos nem de os considerar igualmente.
O amigo chama visão destorcida á descrição que tentei fazer dos grupos mas para além da designação do “Começador” não encontrei no seu comentário outra discordância.
Apenas considerar verdadeiras “charolas” as de Santa Barbara e Bordeira é um pouco limitado.
O amigo conhece o espírito charoleiro de Santa Barbara de Nexe, não conhece provavelmente o das outras Charolas.
Chama-los de grupos de Janeiras em nada diminui as Charolas, antes pelo contrário.
Já a palavra “mero” tem um sentido diminutivo com o qual não posso concordar porque quer os que se designam por Charolas, como os por Janeiras, em nada são inferiores aos grupos de Santa Barbara de Nexe.
Os versos, improvisados, repentistas ou outra qualquer forma, não são exclusividade dos grupos de Santa Barbara de Nexe, como provam todos os outros grupos do concelho de Faro e de São Brás de Alportel, onde existem igualmente bons versejadores.
Vivas raramente as oiço e parece que só fazem parte do titulo dos reportórios. Chacotas, graças, criticas satíricas, são o que se escuta, mais parecendo adequadas ao Carnaval do que ás Festas do Ano Novo.
Um abraço
JJ Rodrigues

atabua@hotmail.com disse...

nas charolas costumam dar
uma laranja uma chouriça
quem nas charolas quer rezar
o melhor é ir á missa !

um charoleiro já veterano.

JOSE JOAQUIM RODRIGUES disse...

Em resposta eu lhe digo
Era um costume antigo
Ao patrão da casa perguntar
Se se cantava ou rezava
Quando a Charola entrava
Em sua casa para actuar