29 setembro 2007

HISTÓRIAS DE GUERRA VII



"O Bachile ..."

Zona muito perigosa, situada a meio caminho entre Teixeira Pinto e Cacheu, no Bachile estava sedeada uma Companhia de guerreiros operacionais Guineenses que operava os “Obuses”.
Nesta Companhia estavam também alguns guerreiros graduados naturais da metrópole.

Mesmo encostada ao Bachile ficava a misteriosa “Caboiana”, mata onde se sabia existir um quartel-general dos “Turras”, nome assustador pelo qual designávamos os guerreiros inimigos, pelo seu lado, eles vingavam-se chamando-nos “Tugas” mas que afinal viemos a saber apenas queria dizer “brancos”.

Na recepção, os “velhinhos” logo tentaram matar-nos de susto, exagerando no seu comportamento, mais parecendo acabados de sair do manicómio do que verdadeiros guerreiros.
Relataram-nos com exagerados detalhes os sucessivos ataques sofridos ao arame, isto é, junto á vedação exterior do aquartelamento. Segundo afirmavam os turras não os deixavam dormir ou descansar porque os confrontos eram quase diários. Viver mais de dois anos naquela situação, tinha-os deixado em estado de semi-loucura!
Tanto ronco tinha-os deixado cacimbados! (tanta festa tinha-os deixado malucos!)

Instalámo-nos como pudemos, iniciando de imediato este inevitável esforço de guerra. Agora, em pleno teatro de guerra, toda as operações eram feitas com grande cuidado, devido ao enorme risco que as envolvia.

Felizmente enquanto permanecemos no Bachile não houve qualquer confronto com os guerreiros inimigos, embora por vezes pressentíssemos a sua presença espiando os nossos movimentos.

Finalmente para nosso alivio, chegou o dia de abandonarmos o Bachile. Deixaríamos um grupo em “Churobrique” e outro em “Chulame” indo o resto da Companhia, incluindo o guerreiro do sul, instalar-se em “Bassarel”, zona teoricamente um pouco mais calma.

No Bachile, mais um pequeno incidente com o guerreiro do sul que aqui "apanhou o paludismo" tendo levado a famosa "injecção de cavalo” o que lhe valeu um enorme inchaço na anca e a perna direita toda apanhada.
Pudera as injecções eram doses para as referidas cavalgaduras, não para humanos, mesmo que guerreiros. Mas o fim justifica o meio e o paludismo foi gradualmente desaparecendo, para alívio do guerreiro do sul.

Nesta breve referência ao Bachile, cabe aqui o relato de um grave incidente de guerra, ocorrido poucos meses após a nossa saída, no qual foram intervenientes o nosso Grupo de Churobrique, um Grupo do Bachile, um Grupo de Combate da 2ª. Companhia e os Fiats da Força Aérea, para além dos guerrilheiros inimigos.
Pelo meio cerca de cinquenta civis que não tendo directamente a ver com a guerra, só porque naquele momento estavam a trabalhar para as nossas tropas, foram dura e barbaramente castigados.

Uma manhã, o Grupo de Combate do Bachile fazia como habitualmente, a escolta a uma berliet com cerca de cinquenta trabalhadores civis que havia uma semana efectuavam trabalhos de “campinagem”, isto é, cortavam o mato que envolvia a estrada para o Cacheu. Atrás, com o objectivo de durante o decorrer dos trabalhos diários, fazer a segurança dos mesmos trabalhadores, seguia um hunimog, com o Grupo de Combate de Churobrique.
Precisamente ao chegar ao local, onde iriam reiniciar os trabalhos, a pouco mais de quinhentos metros do Bachile, foram surpreendidos pelos guerrilheiros inimigos que emboscados na mata, dispararam e lançaram uma grande quantidade de granadas.

De todas as mortes a lamentar, houve uma em particular que a todos causou ainda maior consternação e desespero.

O furriel que chefiava a escolta, tinha recebido a notícia, há tanto tempo esperada, do fim da sua “comissão” de mais de vinte e oito meses de guerra. Naquela manhã que seria a última no Bachile ofereceu-se (sem ter de o fazer) para chefiar a escolta, segundo as suas palavras, para fazer a despedida.

E fez, de forma dramática e definitiva!

Na emboscada foi atingido em pleno abdómen por uma granada RPG que o destruiu, tendo morte imediata. Nem um único guerreiro daquela escolta sobreviveu nesta emboscada, assim como, todos os trabalhadores civis.

Os guerreiros de Churobrique, um pouco mais atrás, com vários feridos quase não conseguiram reagir a este inesperado ataque. No entanto, de imediato recebem apoio da 2ª. Companhia que estava sedeada no Cacheu e dos Fiats da Força Aérea, o que fez com que os guerrilheiros inimigos retirassem rapidamente. Para trás não deixaram uma única baixa.

Na perseguição, o Grupo de combate da 2ª. Companhia avança pela mata sem qualquer meio de comunicação que pudesse indicar correctamente a sua posição aos Fiats da nossa Força Aérea e quase acaba sendo atingido, pelo fogo amigo. Felizmente os pilotos não efectuaram quaisquer disparos, evitando assim agravar aquela situação que teve momentos de invulgar tensão, raiva e desespero!

Na retirada, os “turras” desapareceram utilizando uma técnica de dispersão em pequenos grupos, sendo difícil saber exactamente para onde se dirigiam, uma vez que se ouviam disparos de zonas completamente diferentes e até opostas.

Ao fim de algum tempo, tudo termina num enorme silêncio de dor e de morte!

Na manhã seguinte quando o guerreiro do sul, integrando a coluna de Teixeira Pinto para Bissau, se preparava para iniciar a viagem, foi-lhe pedido que transportasse na sua Berliet, alguns daqueles mortos, de entre os quais, o nosso infortunado furriel.

E assim se fez mais uma história de guerra, diferente e ao mesmo tempo tão igual a tantas outras que muitos camaradas guerreiros viveram.
Nós estamos cá para as contar mas infelizmente outros não tiveram tanta sorte!

Até outro dia camaradas!

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