12 setembro 2007

HISTORIAS DE GUERRA VI



"O guerreiro do sul no Cumeré ... (Setembro-1973)"

O Cumeré era um aquartelamento que recebia alguns Batalhões acabados de chegar à Guiné, para a partir daí, iniciarem o chamado “treino operacional”.

Naturalmente que o Cumeré ficava próximo de Bissau e teoricamente numa zona de menor risco, para que os “Periquitos” acabados de chegar pudessem adaptar-se, antes de enfrentarem todas as adversidades que esta guerra lhes reservava.

Uma espécie de sala de entrada, duma guerra que até há poucos dias apenas ouvíamos falar, mas que agora estava ali, dois passos á nossa frente.

Fomos alojados em camaratas, tomámos as refeições no refeitório, tínhamos parada, porta de armas, tudo idêntico a qualquer quartel na metrópole.

Se não fosse aquele calor húmido honrivel quase sufocante e aquela paisagem totalmente desconhecida que nos envolvia deixando-nos indolentes e nostálgicos, tudo estaria normal.

Ao segundo dia, de manhã, quebrando aquela monotonia nostálgica, eis que chegam as lavadeiras.

As jovens mulheres, algumas quase crianças que a troco de uns “patacos” nos lavavam a roupa, vieram trazer alguma animação pela forma inesperada como apareceram e a maneira divertida com que nos abordavam.

Com grande á vontade entravam nas camaratas, sentavam-se nas nossas camas e tentavam seduzir-nos com o seu sorriso, pedindo com alguma insistência que lhes entregássemos a roupa para lavar.

Por vezes alguns guerreiros mais atrevidos tentavam obter algo mais mas elas escapavam sempre a essas tentativas, sem mostrar qualquer receio ou ressentimento.

Cumprindo o objectivo para o qual aqui foi colocado, todo o Batalhão inicia os patrulhamentos e a adaptação ás acções desta guerra.

O guerreiro do sul, pelo seu lado começa a desempenhar as suas funções encarregando-se de providenciar a alimentação do pessoal da Companhia.

A partir do momento em que se iniciaram os patrulhamentos o pessoal pernoita no "mato" sendo necessário levar até eles a alimentação e o correio.

Duas tarefas que o guerreiro do sul tinha a seu cargo. A entrega do correio causava sempre grande ansiedade e tensão especialmente nos guerreiros que não recebiam o esperado aerograma.
Ao final da tarde, o guerreiro do sul, em cima do hunimog no qual transportava os panelões com os alimentos, com um grande maço de aerogramas na mão e quase todos os guerreiros reunidos á volta do veiculo ia lendo o destinatário de cada um daqueles aerogramas que ao ouvir o seu nome saltava de alegria e apressava-se a recebe-lo, desaparecendo de imediato para uma leitura recolhida.

Os guerreiros que nada recebiam quase morriam de desgosto e choravam desesperados. E a cena repetia-se todos os dias, cada dia mais dolorosa, sem que ninguém tivesse culpa, era apenas o correio que não chegava.

Assim decorreram os primeiros quinze dias de Guiné, findos os quais o Batalhão preparava-se para partir para o local onde iria actuar nos próximos dois anos.

O Comando, a CCS. e a 1ª. Companhia, ficariam em Teixeira Pinto que era a sede do Batalhão, a 2ª. Companhia foi para o Cacheu e a 3ª. Companhia á qual pertencia o guerreiro do sul, continuaria o seu treino por mais quinze dias, agora no Bachile.

Do Cumeré pouco mais haverá a contar, excepto que foi aqui que o guerreiro do sul sofreu o primeiro incidente de guerra que lhe partiu a cabeça. Coisa pouca se descontarmos a arriscada deslocação nocturna ao hospital militar em Bissau, para verificar da gravidade do ferimento e o regresso ainda mais arriscado a altas horas da noite.

Depois de muitas peripécias conseguimos chegar ao Cumeré ao raiar do dia, cansados, ensonados de tal forma que o condutor da escolta não viu a cancela da porta de armas fechada e levou-a á frente do seu hunimog.

O guerreiro do sul, integrando a 3ª. Companhia de Caçadores "Os Errantes" pertencente ao Batalhão de Caçadores 4615 com a divisa "Probo audaz e prudente" saiu do Cumeré com destino ao Bachile e é a partir de lá que contará mais um episódio de guerra.

Até lá!

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