17 junho 2007

HISTORIAS DE GUERRA IV


"Cabeça de Sargento meu Comandante..."

Alguns dias depois de sair da Póvoa, recebi guia de marcha para a Amadora, onde me apresentei para iniciar as minhas novas funções de “Vagomestre”.
Cheguei à Amadora no mesmo dia em que outros camaradas guerreiros como eu se apresentavam também para iniciar as suas novas funções. Todos acabados de passar a prontos, isto é: -cheios de inexperiência e ingenuidade!
Á chegada fomos mandados seguir para a enfermaria, onde segundo nos disseram, seriam feitos uns exames médicos???
Na enfermaria éramos recebidos, por um ”bata branca” que ostentava no peito uma placa dizendo “médico” que nos fazia um pequeno inquérito e nos mandava um a um, passar para outra sala, onde outros dois também de bata branca, com placas dizendo enfermeiro nos mandavam deitar na maca e desapertar as calças, depois aproximavam-se com uma enorme seringa e diziam-nos em voz baixa:
- Eh pá, o médico manda dar esta injecção, mas esta merd., dói que se farta e não serve para nada. Se nos deres “cem paus”, nós fingimos dar a injecção, mas não a damos.
Era a chamada “canção do bandido!!!”
Fugindo à assustadora picadela, lá fomos entrando com os cem pauzitos. Mas, um guerreiro açoriano que certamente não estava preparado financeiramente para tal contribuição ou por outro motivo qualquer, negou a contribuiçãozita.
Resultado, apanhou a terrível picadela o que lhe causou um enorme hematoma na anca.
No final do dia, descobrimos que tínhamos sido vitimas do "conto do vigário".
Os camaradas guerreiros mais velhos daquela guerra que se fizeram passar por médico e enfermeiros eram-no tanto como nós. No Bar gastavam alegremente o dinheiro que ingenuamente lhe havíamos dado!
Quanto á injecção não passava de água destilada causando por isso o tal inchaço no rabo do guerreiro açoriano.
Na Amadora onde estive durante seis meses, tinha diariamente um ritual a cumprir.
Antes das refeições do meio-dia serem servidas, tinham de ser préviamente apresentadas para aprovação, ao Oficial de dia e ao Comandante.
Assim, um guerreiro ajudante de cozinha colocava numa bandeja os pratos, tal como iriam ser servidos depois seguíamos os dois até á presença dos dois oficiais.
Normalmente um guerreiro ajudante da “Messe de Sargentos” aproveitava a boleia e eu embora sem responsabilidade naquela “messe” fazia a apresentação dos dois pratos.
Um dia, o Comandante depois de elogiar o prato do “Rancho Geral” voltou-se para o da “Messe” e perguntou ao guerreiro que o transportava:
-Então o que é que temos aqui?
-Cabeça de Sargento, meu comandante! Responde o guerreiro.
-O quê? Pergunta o Comandante sem perceber.
-Cabeça de Sargento, meu comandante! Repete o guerreiro.
Eu, apercebendo-me da situação, emendo rapidamente:
-Cabeça de porco com feijão, meu Comandante!
-Muito bom, muito bom, pode seguir, diz o Comandante a sorrir.
Na verdade naquele tempo, a maior parte dos guerreiros que trabalhavam nas cozinhas militares, chamavam "carinhosamente" cabeça de sargento á cabeça de porco, ou seja, ao chispe. Daí o convencimento do moço ao responder ao Comandante que levava na bandeja "cabeça de sargento".
Desta guerra na Amadora muito mais teria que contar, para além de ter sido o melhor tempo, dos dois anos que passei na guerra.
Mas tudo o que é bom acaba depressa e ao fim de seis meses, aí estava eu mobilizado para o ultramar, a caminho do R.I.16, em Évora, para formar o Batalhão de Caçadores 4615, integrado na 3ª. Companhia (Os Errantes) que iriam prestar serviço na Guiné-Bissau, mais propriamente em Bassarel, Teixeira Pinto (1973/74).
Mas isso já são histórias doutra guerra ou guerras de outra história que um dia contarei.
Até lá.

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