21 setembro 2008

HISTÓRIAS DE GUERRA IX


"Eu conduzindo o furriel enfermeiro a caminho do Posto Saúde civil, para a consulta..."
“TONI … o Algarvio “
Nas minhas histórias de guerra recordo hoje Toni, o algarvio natural de Alvor.
O Toni, tal como eu é um guerreiro do Sul.
De altura abaixo da mediana, é no entanto um guerreiro musculado, forte, destemido, sendo escolhido pelo Comandante do seu Grupo de Combate, para transportar a metralhadora HK-21, tarefa normalmente cometida aos mais fortes de cada grupo, dado o peso da arma e respectivas fitas de munições.
Por isso mesmo, o Toni, achava que era um guerreiro especial e deveria ser tratado como tal.

Começo esta história de guerra, a partir do momento em que como "algarvio" fui chamado para tirar o "outro algarvio" da secretaria, onde ele embriagado ameaçava o sargento Neves, tentando receber o pré a que já não tinha direito porque o havia gasto todo antecipadamente na cantina.
O caso estava complicado, o algarvio muito embriagado estava prestes a atirar-se ao sargento que numa atitude de defesa, tinha na mão direita que enfiara na gaveta da secretária, uma pistola e com o dedo no gatilho estava pronta a disparar.
Ao entrar na sala, apercebo-me do que está prestes a acontecer, tento e consigo desviar a atenção do Toni para mim.
Ele volta-se e agarra-me com a mão esquerda na gola da camisola, logo abaixo do pescoço, o que quase me sufoca. Em seguida mantendo-me preso dessa forma, arrasta-me para fora, atravessa um pequeno corredor em direcção á messe cuja porta abre com um pontapé. Entra na pequena sala gritando que também tem direito a tomar as refeições naquele local, porque os sargentos e oficiais não são mais importantes do que ele.
Enquanto me mantém quase estrangulado, com a mão direita, vai derrubando para o chão, tudo o que encontra sobre a mesa, destrói a janela da sala e a porta do velho frigorífico que também lá se encontra.
Dá murros e pontapés por tudo o que é lado. No entanto, embora me passassem muito próximos nenhum me atingiu. Não me eram dirigidos. Naturalmente não é sua intenção agredir-me fisicamente.
Após descarregar a sua ira, larga finalmente a camisola, soltando-me. Aliviado, consigo convencê-lo a ir descansar para a sua camarata. Deixo-o á porta por onde ele entra e pensando que adormeceria, regresso á minha própria camarata tentando também tranquilizar-me.

De repente grande gritaria, levanto-me, corro até á porta e vejo o Toni, caminhando aos tombos, pela parada, empunhando a metralhadora em posição de disparar.
Embora os seus camaradas o chamem tentando dissuadi-lo, ninguém se atreve a aproximar-se. Todos se protegem, enquanto ele cambaleia errante pela parada, numa atitude ameaçadora e perigosa.

Com o Comandante e 2º. Comandante da Companhia ausentes em patrulhamentos, restava o grupo do Toni, mas o seu comandante Alferes Botelho era um dos alvos ameaçados por ele e para se proteger refugiou-se á pressa fora das instalações do aquartelamento.

Para aumentar o drama, cerca de dois metros á minha frente, atrás duma protecção vejo o sargento Baixa com a sua G3, de mira apontada ao Toni. Faço-lhe sinal. Ele responde que está a controla-lo e que não o deixará fazer um tiro sequer.
Naquele momento não tive dúvidas de que mais uma vez a vida do Toni, estava por um fio. Bastava um gesto em falso para precipitar todo o drama que estava prestes a acontecer.
Desta vez eu não me atrevo a chamar a atenção do Toni. É demasiado perigoso. Continuei protegido pelos bidões, observando preocupado a situação.

Momentos dramáticos que parecem nunca mais terminar. Embora deseje que tudo acabe rapidamente não quero que nada de mal lhe aconteça.

Inesperadamente o Toni cai de bruços, perdendo momentaneamente o controle da arma. Alguns dos seus camaradas correm e atiram-se rapidamente sobre ele, desarmando-o e imobilizando.
Completamente embriagado, o álcool está a tomar conta dele parecendo desfalecer.

É levado em braços até ao furriel enfermeiro Mendes para lhe aplicar uma injecção, com intenção de acalmá-lo.
Ao sentir a picada reage bruscamente e esmaga a seringa com a sua mão gritando que não quer ser drogado.
Tenta levantar-se. É novamente agarrado pelos seus camaradas que o tinham levado para a enfermaria. Á força obrigam-no a manter-se deitado na maca.
Decidiu-se que era melhor esperar que adormecesse. Finalmente após alguma espera, enquanto dormia profundamente foi-lhe aplicada a injecção que garantiria que não acordasse ainda durante o tempo que durava a embriaguez.

Ao regressar, o comandante da companhia foi posto ao corrente do sucedido e decidiu que o Toni será levado imediatamente para a sede do Batalhão, em Teixeira Pinto.
Assim se fez. Na manhã seguinte quando acorda, o Toni, encontra-se encarcerado em Teixeira Pinto.

Ficou algum tempo detido. Quando regressa á liberdade, é-lhe entregue um barco de pesca, para que aproveitando a sua profissão civil, pesque para o batalhão. E assim fez até final da comissão. Nunca mais regressou á sua Companhia, sediada em Bassarel.

Entretanto em Teixeira Pinto, o Toni junta-se a um grupo de guerreiros do sul, o Fernando Pires de Estói, o homem do acordeão, o José Conceição de Bordeira, o homem dos versos, o Dias do Ameixial que era o cozinheiro e arranjava os petiscos e eu próprio que sempre que pernoitava naquele aquartelamento, juntava-me ao grupo para as farras nocturnas.

Passados alguns anos, voltei a encontrar o Toni, desta vez na porta de um campo de futebol, em Portimão.
Cumprimentámo-nos com um forte aperto de mão.

Não o voltei a encontrar.

Aqui fica o relato de um episódio de guerra que podia ter mudado completamente o curso das nossas jovens vidas ou até mesmo terminado com algumas delas.
Felizmente nada de muito grave aconteceu. Hoje podemos recordar esses momentos sem qualquer mágoa.
Até á próxima história se e quando me ocorrer.

Até lá.